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Fragrâncias

Perfumes, Práticas e Discursos

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Perfumes, Práticas e Discursos

POEMA DE JOSE JORGE LETRIA PARA EUSÉBIO

 

 

 

 

Rei que eras, partiste na véspera

 

do dia de todos os reis,

já sem esplendor na relva,

em trono de magoada saudade,

com essa coroa de lágrimas

que faz brilhar o rosto

de quem tantas vezes nos fez felizes.

Ficam em silêncio as estrelas

e as sirenes dos barcos e das fábricas.

Tudo se cala para, com vénia, te dizer adeus.

E eu o que direi agora aos filhos e aos netos

depois de tantas vezes te ter chamado

sinónimo de glória, nos instantes em que o golo

era a conquista maior de um génio

de voo tão largo como o das águias ?

Há um Portugal triste que hoje se ergue

para te dizer que vela pela tua memória,

pelo teu lugar no panteão dos deuses terrenos,

pelo fulgor da tua imagem iluminando os estádios.

Até na morte nos engrandeces, Eusébio,

nosso irmão universal, quando olhas para o fundo das redes

e dizes: “Eu juro que havemos de vencer,

em Wembley ou onde quer que seja !”

Curva-se o mundo, que é muito mais que a cobiça dos mercados,

ante o teu nome trabalhado a ouro

nas colunas largas do arco de todos os triunfos.

E quantas vezes a abnegação te doeu e te fez chorar,

e quantas vezes Portugal chorou contigo

por achar que merecia mais do que o destino lhe queria dar,

e quantas vezes tu choraste baixinho

por não nos quereres privar da alegria de vencer,

e quantas vezes eu chorei no ombro do meu pai

por sentir que ninguém tinha o direito de ferir as tuas asas ?

Nós estávamos lá, no estádio, e sofríamos contigo,

amor antigo que o tempo não deixou prescrever.

Vai agora em paz, Eusébio, que a Luz

ergue-se brava e estóica para te deixar partir,

embora te guarde para sempre no cofre

de um coração sofrido. Vai em paz, Eusébio,

que nós sabemos que tu moras onde mora a Luz,

residência certa dos heróis, das lendas e dos sonhos.

 

José Jorge Letria

 

5 de Janeiro de 2014

 

 

 

 

 

UM POEMA DE MANUEL ALEGRE PARA EUSÉBIO

 

Tenho a dizer que não sou fã de futebol.

 

Provavelmente porque o inicio da temporada coincidia com o deixar a "minha casa em Castanheira de Pêra" e rumar a Coimbra para frequentar o liceu.

 

Recordo-me de ouvir os relatos futobolisticos quando atravessava a serra da Lousã com os meus Pais.

Os golos do Benfica eram saudados pelo meu Pai...por mim, sublinhados com algumas lágrimas que antecipavam a saudade dos "mimos" caseiros.

Tinha acabado de fazer10 anos.

 

Assisti a um único jogo em toda a minha vida  - Academica/Benfica, Jamor 1969 /Taça de Portugal.

Foi a primeira e última vez que vi, in loco,  Eusébio jogar.

 

(Lembro que o carro que me transportou a Lisboa - impediram-me de ir de combóio! - ia dividido ao meio: metade pertencia à ACADÈMICA. A outra metade ao BENFICA.

 

O meu Pai era benfiquista. Eu e a minha Mãe ... da Académica.

 

Eu estava a acompanhar a "Briosa" num evento que se desenrolava em plena crise Académica de Coimbra.

Para nós, estudantes, ganhar esta final da taça era muito mais que ver um bom jogo.

 

Americo Thomaz, Presidente da Républica, ao tempo, já decidira não estar presente no Jamor, não "fora o diabo tecê-las" e ter de entregar a taça aos estudantes, em greve.

Foi substituido pelo General Sá Viana Rebelo.

 

Posso dizer, e as imagens não me deixam mentir, que o Jamor estava cercado e invadido por polícia. De choque. Muita.
Como hoje já se começa a ver por aí.

 

 

A Académica jogou excepcionalmente bem. 

Prolongamentos? Dois.

Não ganhámos.

 

Este jogo, podem crer, fez história para a Académica e estudantes que estiveram presentes no Jamor.)

 

Foi essa a única vez que vi Eusébio jogar.

 

Eu não entendia (nem entendo) nada de futebol.

Tenho de dizer, no entanto, que a sua forma de jogar era incrível e concordo TOTALMENTE com os que apelidavam Eusébio de "Pantera Negra" e "King".

Eu que não gostava de futebol...ficava presa ao ecrã...à espera de ver saltos de verdadeira "gazela".

 

Mais tarde conheci, pessoalmente, Eusébio.

Num restaurante em que almoçava com o meu Pai ...que nunca entendeu eu não gostar de futebol e, muito menos, não ser benfiquista..

 

Como jornalista, reencontrei Eusébio em eventos vários.

Os últimos na Marina Cruz, uma amiga comum.

 

Muitas vezes a ouvi falar dele.

De valores de Amizade e verdadeira solidariedade.

De momentos bons e menos bons.

 

Fui acompanhando, como quase todos os portugueses, a sua vida.

Encontrava amiúde Flora, a sua mulher.

 

Aprendi a respeitá-lo.

Pela sua universalidade, a sua forma "rara" de entender o desporto.

A sua forma de "ser".

 

 

Por isso, associo-me ao "sentir nacional" lembrando um poema que Manuel Alegre lhe dedicou:

 

"Havia nele a máxima tensão

Como um clássico ordenava a própria força

Sabia a contenção e era explosão

Não era só instinto era ciência

Magia e teoria já só prática

Havia nele a arte e a inteligência

Do puro e sua matemática

Buscava o golo mais que golo-

só palavra

Abstracção

ponto no espaço

teorema

Despido do supérfluo rematava

E então não era golo -

era poema

 

 

 

 

 Um abraço Flora!